…E assim eles desligaram a televisão e continuaram ligados na novela, comentando o último capítulo sem querer acreditar que amanhã não teriam mais o que saber, como acontece com o fim de toda a história bem contada.
Anjo Mau, Dancin Days, Água viva, Gabriela, Estúpido Cupido, Senhora, Cabocla, O Casarão, A Sucessora, Vale Tudo, Pantanal…
Cuidado, novela aliena!
Mas foi por conta dessa alienação que, ainda criança, fiquei sabendo da existência de Jorge Amado, de José de Alencar, que pude escutar belíssimos chorinhos, músicas dos anos sessenta, óperas do século dezenove e que visualizei épocas passadas.
Então a arte aliena?
Mas que contraditório, dizem até que a arte liberta!
Aliena ou liberta?
A novela pode fazer as duas coisas? Sim, diante de uma boa novelinha nos libertamos, no mínimo, das preocupações. Sim, diante de uma boa novelinha nos alienamos de fazer qualquer outra coisa naquele sagrado momento.
Não resolvido o dilema e pelo contrário, aceitando a contradição como condição para fruir a novelinha, o livro, o teatro, a dança, a fotografia, a pintura… a arte. O fato é que tudo passa pelas escolhas que você faz para sua vida.
Fazia tempo que eu não escolhia por uma novela. A última havia sido há uns sete anos.
É, fiz muitas outras coisas no horário das vinte e uma enquanto não me alienava ou me libertava com uma novela: eu ficava com meu filho e marido para jogar ou brincar, namorava, lia, escrevia, trabalhava, passeava…
E foi por pura curiosidade, vontade de variar nas atividades noturnas que eu e meu filho optamos por assistir, juntinhos, ao primeiro capítulo de Avenida Brasil.
O que aconteceu?
Não nos desgrudamos mais. Fomos juntos do primeiro ao último capítulo. Fazia mais de um ano, que já adolescente, ele optara por passar às noites com os amigos, nas redes sociais. Naturalmente fiquei para escanteio.
Mas agora nós teríamos, praticamente todos os dias, um encontro marcado. Avenida Brasil nos oportunizou, através das situações de conflito, tristeza ou felicidade vividas pelos personagens, conversar sobre nossos próprios valores, preconceitos, escolhas, resolução de problemas e questões emocionais. Se já éramos próximos, ficamos mais ainda. De certa forma voltamos aos tempos em que eu lia todas as noites para ele antes do sono chegar.
Ainda bem que eu não tenho aparelho que grave os capítulos, pois o exercício da resiliência é providencial para nossa vida tecnologicamente imediatista – mais um ponto para a novela.
E meu marido nessa história toda?
Bem, pra ele não tem contradição, novela aliena mesmo.
É fato, fiquei alienada dele a partir das vinte e uma até as vinte e duas todos os dias, menos no domingo. Seu protesto era passar pela televisão e proferir a frase costumeira:
-Já começou a porrelinha?
Mas não é que para minha surpresa, na última semana da novela, quando boa parte do povo brasileiro tentava acertar quem havia matado Max e queria saber qual o destino da vilã Carminha, num ato de pura rendição, feito osmose, meu marido se juntou a nós, curioso por saber qual o final, como se fosse assistir ao desempate do Brasil na Copa do Mundo e acompanhou os três últimos capítulos da tão alienante porrelinha.
E claro, não faltou a bacia cheia de pipoca para conferir o resultado.
Texto ilustração: Valéria Pimentel