Como é possível a gente mudar tanto?
Árvores de Natal podem ser o testemunho disso, o testemunho de uma vida inteira em transformação.
Não tá entendendo nada? Calma, vai lendo que eu chego lá.
Como se sabe, nada é mais estimulante do que o brilho das bolas de Natal e luzes coloridas para atrair o olhar de uma criança que vê tudo pela primeira vez. E em se tratando de um olhar esteticamente sensível, esses estímulos eram para mim presentes inesquecíveis da minha infância.
Lembro-me bem do enfeite natalino de luzes coloridas que minha cidade montava na avenida da praia.Até hoje é o mais surpreendente que já vi e, por isso mesmo, indescritível.
Mas a árvore de Natal da minha tia eu consigo descrever, era para mim a mais bonita do mundo. Bem grande e feita de pinheiro – a planta mesmo – tinha a predominância das bolas vermelhas de vidro laminado, que quando caíam no chão quebravam revelando o prateado interno da esfera que virava um brilho bicolor de pedaços sobrepostos, no chão.
Você já esmagou alguma bolinha dessas na mão? Tinha que ter cuidado para não se machucar. A sensação? Pura delicadeza, pois eram mais finas do que a casca de um ovo. Infelizmente as crianças não podem mais sentir isso, agora as bolas são de plástico, nunca quebram, só amassam. Às vezes é melhor poder quebrar as coisas, do que se limitar a amassá-las, não acha?
Mas na árvore da minha tia também se viam flocos de isopor que simulavam neve e levavam nossa imaginação a sentir frio em pleno calor de dezembro. Claro que não faltavam as luzinhas coloridas e os pequenos e variados enfeites que criavam uma linda harmonia natalina.
Esperávamos a noite chegar para o encanto se completar, quando minha tia ligava as luzinhas que piscavam sempre num mesmo ritmo.
Após o jantar eu e minhas primas já de janta comida, banho tomado e pijama vestido, nos sentávamos em volta daquela árvore mágica para descobrir seus detalhes inebriantes, até mergulhar num sonho de olhos bem abertos – afinal, era hora de dormir.
– Crianças, pra cama. Chega de olhar a árvore! – chamava algum adulto.
Sabe, desde pequenina era eu quem montava a árvore de Natal da minha casa. Sempre fiz questão disso, pois me dava um enorme prazer. Até que um belo dia ela entrou na minha vida.
Ela veio direto da rua Vinte e Cinco de Março, trazida heroicamente por meu marido, que chegou em casa às onze e meia da noite, após uma epopeia de compras natalinas. Ela era muito grande e imitava um pinheiro de verdade. Tinha mais de um metro e meio de altura. Vinha acompanhada de vários saquinhos cheios de bolinhas laminadas de plástico – de vidro não fabricam mais, lembra? – e outros enfeites, como as luzinhas coloridas de pisca-pisca.
Abri os saquinhos de enfeites e pendurei-os, muitíssimo animada, junto com meu filho de quatro anos. Deixamos nossa árvore maravilhosa.
Foi uma noite inesquecível, como aquelas de minha infância, sentada embaixo da árvore da minha tia.
Nossa árvore nos acompanhou durante oito anos seguidos. Nos primeiros Natais conseguiu se equilibrar muito bem sobre seu tri pé. Mas depois, quando sofreu a primeira queda não resistiu, ficando eternamente manca. E toda vez que pendia mais para um lado, caia. Junto com ela iam todas as bolinhas para o chão, rolando em direções diferentes pela sala.
Nas primeiras quedas fui paciente e achei até divertido mudar o lugar das bolinhas. Porém, a cada ano, as quedas foram se tornando uma rotina chata de Natal. E quando adotamos o Hard, então? – nosso querido gato de olhos azuis – Ele contribuiu mais ainda para a situação se agravar, pois acreditava habitar uma onírica selva colorida, que crescera frondosamente na sala.
E aí vi que eu havia mudado. É, a gente pode mudar muito, sim. Mudei tanto em relação a montar árvores de Natal, que há dois anos resolvi comprar um pinheirinho artificial de cinquenta centímetros de altura com bolinhas eternamente fixadas em seus poucos galhos.
Agora, quando penso em enfeitar a casa para o Natal, dou um longo suspiro de alívio, pois lembro que é só pegar a arvorezinha e colocá-la em cima da mesa.
Texto e ilustração: Valéria Pimentel
Minhas lembranças de árvores natalinas e natais infantis voltaram em lembranças saborosas. As tuas, as nossas, as memórias do afeto. Seus textos continuam deliciosos
Olá , Valéria, curti muito teus textos! Em especial, esse da árvore. De uma delicadeza, e praticidade, incríveis…risos… Mas suas ilustrações são um show a parte! Simplesmente lindas! E seu blog tem um ar diferente… Muito gostoso, mesmo! Vou passear mais por aí… Beijos